Não são apenas os médicos. Muitas vezes, os próprios pacientes pedem uma série de exames e se submetem a tratamentos e procedimentos que se revelam desnecessários e até danosos. Esse modelo que preconiza a realização do maior número de exames possível e diagnósticos que mais prejudicam do que ajudam os pacientes, conhecido como Overdiagnosis, foi o tema principal apresentado nesta quarta-feira (08), aos 80 novos médicos residentes do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS).
Os residentes, oriundos do Processo Seletivo Unificado de Residência Médica SUS-Bahia 2015, participaram de uma solenidade de acolhimento conduzida pelo diretor Geral do HGRS, Antônio Raimundo Pinto de Almeida, ao lado do diretor Executivo, Hugo Ribeiro Jr., da diretora de Ensino e Pesquisa, Delvone Almeida, do vice-presidente da Comissão Estadual de Residência Médica do Estado da Bahia (Cerem), Leonardo Canedo, e do coordenador da Comissão de Residência Médica do HGRS, Hugo Heckener.
A palestra central, “O paradigma do Overdiagnosis”, foi proferida pelo cardiologista Luís Cláudio Lemos Correia, doutor em Medicina e Saúde pela UFBA, professor, pesquisador e co-diretor do programa de Residência em Cardiologia do Hospital São Rafael. “O overdiagnosis”, afirma Correia, “não é um diagnóstico errado, mas desnecessário, fútil e com potencial maior de prejudicar do que de ajudar o paciente, e implica em aumento de custos sem o benefício correspondente”.
Crenças e interesses
Particularmente em se tratando da investigação de doença cardiovascular e de câncer, tem sido difundida uma forte crença de que, quanto mais cedo essas doenças forem diagnosticadas, mais se reduz a mortalidade, o que não é exatamente a verdade, segundo Correia. “Quem faz o screening (rastreamento) anual de câncer de mama tem boa intenção, mas, de cada mil mulheres rastreadas ao longo de dez anos para câncer de mama, só uma é salva. Sem contar os altos custos, esses rastreamentos levaram a cerca de 500 mamografias falso positivas e 100 biópsias desnecessárias”.
Há casos, inclusive, de mulheres encaminhadas para retirada de um tumor que, na cirurgia, se constatou não existir, pontuou Luís Cláudio Correia. No caso dos homens, a exigência de exames de PSA muitas vezes resulta em indivíduos que, antes saudáveis, se tornam incontinentes ou impotentes. “O rastreamento deve ser baseado em risco, não se deve prescrever exames para todos os pacientes como se segue uma receita de bolo”, ensinou aos residentes, alertando-os para os interesses envolvidos nisso.
“A comunidade médica se acostumou com esse exagero de exames. Vocês vão aprender procedimentos e lidar com um grande número de pacientes, mas não se impressionem: importante, nesse momento de formação, é vocês serem reflexivos e transgredirem crenças que envolvem, inclusive, interesses financeiros. Antes, se considerava diabético o paciente com glicemia acima de 140, depois baixou-se essa glicemia para 125 e agora querem baixar para 100. É para não existir gente saudável, querem que todos passem a ser tratados sem benefício comprovado, o que é ótimo para a indústria farmacêutica. Qual o benefício de impor um tratamento a uma pessoa estável e assintomática?”, indagou Correia.
O diretor do HGRS, Antônio Raimundo, também pontuou o risco dos internamentos desnecessários, quando a permanência no hospital contribui mais para complicar o quadro do paciente, assim como o uso exagerado de antibióticos. “Agora, tornou-se moda prescrever vitamina D às pessoas e, por conta disso, recebemos muitos pacientes com problema renal pelo excesso dessa vitamina”, observou. A coordenadora do setor de Bioimagem do HGRS, Clarissa Sarmento, alertou para o risco da exposição radiológica decorrente de exames como Raios-X, tomografia, ressonância e outros, solicitados muitas vezes sem a real necessidade.
Os novos médicos residentes ouviram da diretora de Ensino e Pesquisa, Delvone Almeida, uma explanação acerca do Hospital Geral Roberto Santos, englobando desde a missão, visão e valores, à infraestrutura, serviços e setores existentes, atividades enquanto hospital-escola e estrutura física. “Apesar das críticas, o Hospital Roberto Santos oferece muito em termos de assistência. Contamos com um verdadeiro exército de profissionais e muitos tipos de exames e tratamentos na rede pública são oferecidos exclusivamente por este Hospital”, salientou. Por fim, diretores, coordenadores, preceptores e residentes confraternizaram em um coffee-break.
O Hospital Geral Roberto Santos conta com 15 seguintes programas de Residência Médica: Anestesiologia, Cirurgia Geral, Cirurgia do Aparelho Digestivo, Cirurgia Vascular, Clínica Médica, Coloproctologia, Endoscopia, Endocrinologia e Metabologia, Gastroenterologia, Neurocirurgia, Neurologia, Obstetrícia e Ginecologia, Pediatria, Radiologia e Diagnóstico por Imagem e Urologia, e três áreas de atuação: Endoscopia Digestiva, Medicina Intensiva Pediátrica e Neonatologia.
B.F. /DRT/BA 1158
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