Dos 30 bebês com microcefalia atendidos no mutirão para exame oftalmológico realizado hoje (21) no Hospital Geral Roberto Santos, dez apresentaram alterações no fundo de olho. A informação é do médico oftalmologista Bruno de Paula Freitas, especialista em retina. Em todos os 30 casos, há suspeita de contaminação das mães pelo zika vírus durante a gestação. Os bebês passaram por exames em um equipamento chamado RETCAM, cedido para o mutirão pela Unifesp – Universidade Federal de São Paulo. O secretário da Saúde, Fábio Vilas Boas, e o subsecretário, Roberto Badaró, foram conferir os trabalhos de perto.
Uma possível ação do zika vírus provocando alterações que podem prejudicar a visão dos bebês ainda está no campo da suspeita, como ressaltam Bruno Freitas e o professor Rubens Belfort Jr., da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e um dos oftalmologistas mais conceituados no Brasil e no mundo. “Estamos aprendendo juntos. Tudo ainda é muito novo, há poucas semanas nem se cogitava uma ligação entre o zika vírus e o número grande de crianças com microcefalia, isso talvez seja um enorme problema para o Brasil no futuro”, destaca o professor.
O fato de muitas dessas crianças nascidas com microcefalia apresentarem alterações também nos olhos é um fato mais novo e desconhecido ainda. “Nossa cooperação com a Bahia é no sentido de estudarmos isso, como também fazemos em Pernambuco. Estamos colhendo dados porque, infelizmente, esperamos que isso vá acontecer em outras regiões do Brasil”, afirma Rubens Belfort Jr., enfatizando a única ferramenta que se tem para enfrentar o problema: a prevenção, com o combate constante ao mosquito transmissor, o Aedes aegypti. “Em nenhum lugar do mundo existe tratamento, e vai demorar para existir”, salientou.
O risco de alterações no fundo de olho dos bebês, causando lesões capazes de afetar a visão, está presente na ocorrência de diversas doenças infecciosas contraídas pelas mães, como sífilis, herpes, toxoplasmose, entre outras que afetam o sistema nervoso central. Como o zika vírus age também sobre o sistema nervoso, e a retina é composta do mesmo tecido, acontece o risco de haver lesões. Em seis casos estudados anteriormente, três pacientes apresentaram alterações do fundo de olho, relata Bruno de Paula Freitas, o que o levou a promover o mutirão, do qual participaram médicos oftalmologistas não só do HGRS, mas de diversas instituições.
Mudança de vida
O mutirão, voltado exclusivamente para pacientes com microcefalia começou às 7 horas da manhã no Ambulatório de Oftalmologia, que fica no Ambulatório de Multiespecialidades do Hospital Roberto Santos. O atendimento, totalmente gratuito, estendeu-se até às 17 horas, com o exame oftalmológico e orientação de acompanhamento, bem como exames complementares para melhor documentação dos achados. Entre eles, a coleta de dados e de material das mães e dos bebês para exame laboratorial na Fiocruz.
“Não existe nada na literatura médica, tudo ainda é muito novo. Mas, nos casos estudados, quando fizemos avaliação do fundo de olho com exame de oftalmoscopia, ou mapeamento de retina, detectamos alterações atingindo o nervo ótico. Em contato com outros colegas, eles disseram já ter observado isso”, explica Bruno de Paula Freitas.
A ocorrência da microcefalia (malformação da cabeça e cérebro, pequenos em relação ao de bebês da mesma idade e sexo) modificou inteiramente a vida do casal Luciano Bertolussi e Suzana Ribeiro Santana Bertolussi. Comerciária, 33 anos, Suzana deixou de trabalhar desde que a filha, Ana Laura, nasceu no dia 30 de setembro.
O parto aconteceu no Hospital Roberto Santos e a menina ficou por 30 dias na Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo), semi-UTI. “Dizem que um filho muda a vida da gente. No nosso caso, mudou tudo, inclusive mudamos de cidade”, conta Suzana. O casal, que morava em Paulo Afonso, já se transferiu para Salvador, para acompanhar melhor o caso da filha.
B.F. – Jornalista DRT/BA 1158